Fiz um retrato de você, não te contei? Tão linda... tão angelical... tão perfeita. Perfeição maior não poderia existir. Você sorrindo pra mim e me fazendo, na hora, sorrir. Sim, eu estava apaixonado e admitia abertamente. Eu gritava e estremecia de felicidade. Isso sim era felicidade plena. Aquela felicidade tão maior do que pedi à Deus. Nunca fui muito crente, mas sempre acreditei na existência de uma força maior que nos move. O que importava agora era esse sentimento que eu sentia mais forte a cada dia. Eu estava era feito um bobo e Marcela era essa razão de minha existência.
Foi em um dia de sol que nos conhecemos, no único parque da cidade. Moro em um ovo, então esse nossa primeiro encontro não poderia ter lugar mais perfeito. No momento em que virei a cabeça, vi aquela linda mulher em minha frente, aquela luz que vinha e que não me deixava tirar os olhos. Era aquela imagem... aquela que ao primeiro olhar, queremos eternamente. Queria aquela mulher pra mim. Faltava-me só coragem para falar-lhe. Sim, eu era um fraco.
Passei uns breves minutos entre a tentativa certeira de mexer os dedos do meu pé e entre apenas permanecer imóvel ali naquele lugar. Que opção escolher? A musa de minha vida estava ali, na minha frente, e eu nem sabia qual decisão tomar. Ah, temíveis seres indecisos, por que somos assim? Por que eu era assim?
Ir ou não ir falar com ela, eis a questão...
Cinco minutos já haviam se passado e eu apenas olhava a moça sem retirar os olhos daquela imagem. No entanto, ela continuava a acariciar seus lindos cabelos cor de ouro sem nem ao menos notar minha presença.
Movi um de meus pés. Primeiro passo para se chegar a um lugar, não é mesmo? Primeiro os dedinhos do pé que começavam a se mover, depois o meu pé inteiro já estava suspenso no ar e um passo inteiro foi dado. Logo em seguida o pé esquerdo também dava o seu passo. Dois passos, três, quatro, cinco e seis. Parei. Precisava refletir novamente. O que falaria para aquela dama? Afinal, que tipo de cavalheiro seria eu se apenas me dirigisse até ela sem nem ao menos ter uma frase decente na cabeça para lhe falar? Aquelas cantadas do tipo "a gatinha tem telefone?" já não me serviam mais. Era preciso algo que a surpreendesse, mas o que exatamente? Eu já estava ficando angustiado e tal empreitada já estava começando a arrepiar-me os cabelos (os poucos cabelos ainda sobreviventes).
Totalmente ainda sem palavras decidi ir até o fim. Não podia deixar essa oportunidade escapar pelos meus dedos devido apenas a um defeito meu de nascença: a total incapacidade minha de falar com uma mulher, vê se pode...
Estava em sua frente. Ela, de cabeça baixa, trançando os cabelos, não havia me visto em um primeiro momento. Pude captar aquela imagem e registrei em meus pensamentos para depois transformá-la em uma bela pintura. Finalmente, olhou-me. Eram olhos de quem não me conhecia. Olhos que interrogavam o motivo pelo qual aquele estranho homem estaria parado ali em sua frente. Pois bem, lhe falei:
- Oi, sou Henrique, muito prazer.
Timidamente ela me respondeu:
- Me chamo Marcela.
- Você vem sempre aqui?
Não acredito que entrei no velho clichê. Como eu era burro. Porém, se ela percebeu, respondeu de maneira educada que vinha só de vez em quando. Bom, pelo visto estava conseguindo levar a conversa numa boa.
- Também venho só de vez em quando, gosto mesmo é de visitar a livraria central. Já foi lá?
- Já sim, sempre compro livros lá. Adoro ler.
- Também leio bastante, principalmente romances históricos.
- E o que você acha do museu?
Ela havia me feito uma pergunta, ou seja, estava interessada em saber sobre mim.
- O nosso é pequeno, prefiro o da cidade vizinha.
- Bom, eu gosto bastante. Ia todo domingo com o meu pai quando era menor.
Que furada Henrique. Por que fui responder que preferia o da cidade vizinha? Tinha que ter dito sobre as qualidades do nosso museu. Eu era um asno mesmo.
- E os bailes? Você costuma frequentá-los?
- Uma vez por mês apenas.
- Eu vou duas. Quem sabe possamos nos encontrar no próximo e bailar.
- É... quem sabe.
- Vou deixá-la em paz agora. Até qualquer hora.
Ela apenas acenou-me e este foi o fim de nossa conversa. Foram os cinco minutos mais formidáveis que poderiam existir. Era um sentimento inexplicável que invadia-me por inteiro, arrepiando-me. Que menina aquela. Que menina. Fui pra casa pensando naquela imagem diante de meus pés.
Entardeceu e fui dormir com uma fotografia em minha mente: era a de Marcela sentada na grama ao lado de uma árvore acariciando seus cabelos louros.